Embora talvez você não perceba, o medo pode desempenhar um papel importante em como você toma decisões (ou não as toma). Evitar riscos costuma ser uma forma prudente na escolha de uma opção em detrimento de outra, mas a aversão excessiva a riscos pode limitar as oportunidades. Além disso, muitas vezes identificamos erroneamente os fatores determinantes na tomada de decisões, de modo que não reconhecemos que o medo está desempenhando um papel em nossa escolha. Mas, se pudermos levar em conta como o medo pode afetar as tomadas de decisões, poderemos nos antecipar a alguns dos efeitos negativos.
O medo leva a pontos cegos e preconceitos
Há uma família de vieses associados ao medo na tomada de decisões. Aqui estão alguns deles:
Viés de negatividade
No geral, os eventos negativos têm um impacto mais significante sobre nós do que os positivos, mesmo que ambos sejam relativamente iguais e, às vezes, até quando o positivo supera o negativo, sentimos os eventos negativos com mais intensidade e nos lembramos deles por mais tempo.
Ao tomar uma decisão, é mais provável que venham mais informações negativas “na mente”, o que influenciará as escolhas que irá fazer. Esse componente emocional (não percebido) pode, por exemplo, levá-lo a descartar informações baseadas em dados ou a ignorar perspectivas diferentes que não estejam de acordo com a sua.
Outra maneira pela qual o viés da negatividade pode afetar sua tomada de decisão é a forma como ele afeta no quanto você confia nas suas próprias habilidades. Isso está relacionado a desafios como a síndrome do impostor e pode ter um impacto de longo prazo no seu desempenho.
E quanto às decisões sobre produtos? Faz sentido, do ponto de vista estratégico, ponderar os riscos e considerar as possíveis desvantagens nas decisões sobre produtos, mas como tendemos a nos concentrar mais nas informações negativas, elas podem influenciar as decisões sobre produtos de forma desproporcional em relação aos potenciais benefícios.
Quando pensamos nas organizações, o viés da negatividade leva a uma cultura de aversão ao risco. As empresas avessas ao risco podem ser capazes de manter o sucesso em “estado padrão” por um bom tempo, mesmo quando as necessidades do setor e dos clientes estão mudando. Então, quando a mudança passa por essas empresas, passa a ser difícil recuperar este atraso, podendo haver disrupção (quando, por necessidade, passam a assumir mais riscos) ou simplesmente podem perder a conexão com os clientes ao “manter o curso” anterior com base em suposições que eram verdadeiras/funcionavam há 20 anos atrás.
O viés da negatividade pode impedir que as pessoas e as organizações inovem e assumam riscos necessários para o sucesso.
Aversão à perdas
A aversão à perda demonstra o fenômeno de que as pessoas sentem a dor da perda com maior intensidade do que o prazer do ganho. Isso faz com que as pessoas se apeguem às suas coisas e tenham medo de perdê-las.
No trabalho, isso pode se manifestar como manter o curso quando a mudança é necessária. Um exemplo disso é a continuidade de produtos ou programas que já não são lucrativos há muito tempo, quando já deveriam ter sido reavaliados e/ou descontinuados.
Por outro lado, o FOMO (Fear of Missing Out /Medo de Perder Algo) pode levar as pessoas a fazer coisas que não deveriam. Você já deve ter visto isso em campanhas de marketing nas mídias sociais que tentam aproveitar uma tendência da Internet ou um meme, ou que usam mensagens que não correspondem aos valores da marca. Embora deva ser dito que, no ambiente de vendas, algumas empresas podem se aproveitar do FOMO do consumidor, isso é visto com mais frequência em B2C/varejo (vide as datas de grandes promoções, como a Black Friday, ou nas tendências de mercadorias de influenciadores).
Efeito de dotação
O efeito dotação refere-se ao fato de que as pessoas mantêm um apego emocional às coisas que possuem e as valorizam além do valor real. Você provavelmente já vivenciou como isso acontece em um ambiente de trabalho se já ouviu alguém falar sobre os projetos das pessoas como seus “bebês”.
Se você empregou um esforço considerável na criação de um novo projeto/programa, você dará muito a valor a isso. Porém, com o passar do tempo, quando houver indicadores de que você deverá parar de investir nele, é mais provável que ignore/resista a essa decisão.
Efeito de ambiguidade
Dadas duas opções – uma em que você conhece a probabilidade esperada do resultado e uma segunda que não sabe o que esperar – você provavelmente escolherá a primeira opção. Pois, preferimos a certeza à incerteza, especialmente ao tomar decisões de alto risco.
Como explica o autor Michael Gearon, isso acontece porque associamos informações que não temos a informações negativas (por exemplo, um motivo para não fazer algo).
Tomar decisões equilibradas/conscientes
Como acontece com todos os vieses, ter conhecimento é o primeiro passo. Na sequência, outras medidas podem ser úteis:
- Quando você tem várias opções, perguntar a si mesmo como as está ponderando pode ser útil – alguma delas é mais fácil? Mais familiar? Parece menos arriscada?
- Tome um tempo para refletir sobre as informações disponíveis, especialmente aquelas que você costumar ter o impulso de ignorar. Você pode pensar que, de alguma forma, “sabe mais” do que essas informações ou que possa haver outras suposições mais importantes. Mas, por trás disso, poderá descobrir que há alguns fatores de medo influenciando seu pensamento.
- Documentar as vantagens e os possíveis resultados positivos. Use uma equipe diversificada para discutir dados e opções – as diferentes perspectivas podem funcionar como um contrapeso para decisões precipitadas baseadas em riscos percebidos ou pensamentos negativos.
- Obter maior clareza. Você pode fazer isso obtendo dados mais claros e em maior volume, por meio de experimentação ou trazendo maior diversidade para resolver o problema em questão.
- Volte ao problema/objetivo real. Às vezes, as pessoas saem do eixo por conta de sub-decisões enquanto trabalham em um problema na criação de um plano para atingir uma meta. Caso haja problemas, você poderá filtrar melhor as informações que possui e se afastar de vieses imediatamente.
Outras maneiras que o medo pode afetar as decisões estratégicas
Você já deve ter ouvido o termo “cultura do medo” para descrever uma empresa. Nessas organizações, os comportamentos dos líderes levam a uma cultura em que o medo é o maior impulsionador das decisões que os gestores e funcionários tomam.
Há uma série de disfunções que podem resultar de uma cultura do medo e a dinâmica do poder é a raiz. Em organizações muito disfuncionais, o medo é essencialmente operacionalizado.
- Medo de coisas novas. Os líderes constantemente matam as ideias de mudança ou inovação, e podem fazer isso sem perceber. Os motivos pelos quais as ideias de mudança são rejeitadas podem ser variados, mas o efeito geral é que as pessoas param de tentar coisas novas, mesmo quando elas podem resultar em eficiência ou melhor desempenho. Às vezes, os gerentes apresentam esse comportamento porque, em primeiro lugar, as ideias não eram deles.
- Pressão por desempenho. Nas organizações em que o desempenho de curto prazo é o principal/único critério que orienta as decisões estratégicas, as pessoas se tornam muito avessas ao risco/conservadoras em suas decisões. Isso às vezes se agrava se os líderes/gestores não tiverem confiança em sua função ou gerenciamento.
- Paralisia de mudança. Quando a velocidade da mudança é muito alta e de longo prazo, os gestores e funcionários ficam com medo de se comprometer com qualquer ideia ou projeto, pois as expectativas ou a direção provavelmente mudarão novamente. Da mesma forma, nas organizações em que há alta rotatividade de líderes, os funcionários geralmente entram no modo “cabeça baixa”, pois não têm confiança ou expectativas de apoio do líder.
- Medo de rejeição. Em organizações com um círculo de liderança fechado (especialmente se a equipe de liderança for heterogênea), os funcionários podem ter receio de abordar ou se dirigir aos líderes e se submeterão à equipe de liderança para tomar decisões que podem/devem ser tomadas porque as “pessoas que tomam decisões” são apenas as que estão dentro desse círculo.
- Medo da reputação. Isso geralmente se manifesta como um medo de cometer erros e, se um gerente tiver medo da reputação, os membros da equipe se sentirão inibidos de tomar decisões em que não tenham 100% de certeza sobre o resultado. Se o medo da reputação for generalizado em uma organização, é mais provável que as pessoas sejam “jogadas para baixo do ônibus” quando os resultados não forem os esperados ou quando forem cometidos erros.
Impacto na inovação
O medo tem um enorme impacto sobre a capacidade de inovação de uma organização. Uma pesquisa recente da McKinsey revelou que 85% dos executivos concordam que o medo impede os esforços de inovação com frequência ou sempre em suas organizações. No entanto, 9/10 das organizações não estão fazendo nada para aliviar esses medos.
Então, como seria uma organização bem-sucedida? A McKinsey encontrou uma alta correlação entre a cultura e a experiência dos funcionários e o sucesso geral de uma organização em inovar. O medo continua existindo, mas as organizações bem-sucedidas têm menos “fatores de medo” e são melhores em mitigar os impactos negativos do medo em sua estratégia.
Quando os inovadores de baixo sucesso são comparados aos inovadores de alto sucesso, os dados agregados mostram que os inovadores de baixo sucesso têm de 4 a 6 vezes mais probabilidade de citar o medo de críticas, o medo da incerteza e o medo da reputação como barreiras à inovação.
Criação de uma cultura de inovação
Aqui estão alguns dos marcadores de uma cultura de inovação:
- Inovação, curiosidade e experimentação são valores fundamentais. Mas os valores devem ser vividos para serem eficazes, de modo que os líderes precisam demonstrar e apoiar a inovação, e é necessário que haja apoio operacional para que a inovação tenha uma chance de sucesso. Há uma confiança generalizada de que a ambiguidade não é um obstáculo para tentar coisas ou tomar decisões.
- Mensagens sobre inovação e tomada de riscos que sejam permissivas e otimistas. Todos precisam se sentir capacitados para participar do processo e saber que o fracasso no caminho para a obtenção de insights é um bom tipo de fracasso. A socialização de histórias sobre decisões relacionadas à inovação (boas e ruins) cria uma mensagem forte de que as pessoas devem procurar oportunidades para inovar.
- Reconhecimento e recompensas para pessoas e projetos. Não apenas para melhorias de desempenho de grande impacto, mas para experimentos interessantes, equipes inovadoras e indivíduos que são verdadeiros inovadores dentro da empresa. Reconheça e compartilhe as lições aprendidas e os insights para ajudar todos a melhorar sua mentalidade de inovação. A inclusão de metas e projetos relacionados em scorecards e KPIs ajuda a formalizar o reconhecimento.
- Tem que estar incorporada. A inovação não deve acontecer “fora” das operações regulares. Ela pode ser uma forma de trabalhar, mesmo em pequena escala, com experimentos. A observação regular do cliente deve ser a base de um ciclo contínuo da ideação à estratégia. As organizações também podem se beneficiar de eventos de inovação, como hackathons ou dias de inovação.
- As pessoas se sentem apoiadas e capacitadas a participar. Em vez de uma cultura de medo, as pessoas são capacitadas a sugerir novas ideias, a tomar decisões em suas funções, mesmo quando há algum risco envolvido, e a desafiar “a maneira como as coisas sempre são feitas”. A pesquisa da McKinsey indica que apenas 11% das empresas com culturas de alto medo são líderes em inovação, em comparação com 58% das empresas com culturas de baixo medo.